“A morte dele salvou minha vida”, diz jornalista joseense sobre Vladimir Herzog

A ‘cadeira do dragão’ era um instrumento de tortura utilizado durante a Ditadura Militar no Brasil, uma espécie de cadeira elétrica, com assento, apoio de braços e espaldar de metal onde um indivíduo era colocado e amarrado aos pulsos por cintas de couro.

Centenas de pessoas tiveram seus corpos e mentes marcados por cicatrizes duradouras, cravadas na memória do país. O jornalista joseense Luiz Paulo Costa foi uma das vítimas. No livro, “Cadeira do Dragão”,

lançado nesta semana, o jornalista narra suas prisões durante Ditadura Militar que começaram quando ainda era um ado lescente de 16 anos. Luiz Paulo iniciou sua carreira profissional como jornalista em 1965, atuou como redator no jornal Valeparaibano, correspondente do jornal Estado de S. Paulo e se elegeu vereador.

Por que você decidiu escrever esse novo livro?

Durante muito tempo fui procurado por mais de 30 escritores para falar sobre o tema em seus livros, então pensei: por que eu mesmo não escrevo sobre toda minha história durante a Ditadura Militar? E aí está o ‘Cadeira do Dragão’. Eu quero que as pessoas saibam exatamente, sem cortes.

Quando tinha 16 anos, trabalhava no departamento de Relações Públicas do DCTA (Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial) e fazia um jornal que reportava as atividades do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica). Os estudantes foram perseguidos pela ditadura e eu também, como funcionário do jornal.

Inventaram coisas absurdas para responsabilizar os alunos do ITA. Me levaram para a base

aérea de Santos, onde fiquei 15 dias. Depois, me fui colocado no navio Raul Soares, que fica-

va atracado na praia. Disseram que não havia nada na minha ficha e que iriam me soltar, en-

trei na perua da aeronáutica, mas me levaram até o Dops (Departamento de Ordem Política e Social), em São Paulo. No total, fiquei 115 dias preso. Contudo, como disse o escritor Graciliano Ramos, quando você é preso uma vez, pode ficar com as malas prontas em casa, porque você será preso de novo.

O que mudou após você ser preso pela primeira vez?

Eu decidi que ia combater a Ditadura Militar, que aquilo era inadmissível. Com 21 anos, em

1975, foi preso pela segunda vez, enquanto trabalhava como correspondente do jornal do Estado de S. Paulo. Naquela época, ser jornalista, já te fazia ser suspeito. Fui levado para o Doi-Codi (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna),

em São Paulo e lá fui torturado na Cadeira do Dragão.

A cadeira era alta, revestida de metal, fria e me amarrando pelos braços e pelas pernas

com tiras de pano. Logo em seguida, começaram a colocar fios descascados nas partes mais sensíveis do corpo, inclusive no pênis. Vieram os choques elétricos, acompanhados por socos e pauladas no estômago. Tive como sequelas tímpano perfurado, dentes quebrados e problemas sérios na coluna. Achei que ia morrer lá. Depois da tortura, me deixaram jogado na cela. O que me salvou foi a morte do jornalista Vladimir Herzog. A morte dele, salvou a minha. Depois que ele morreu, soltaram jornalistas que estavam presos e fui nessa leva.

Qual a importância da defesa da democracia e da liberdade de imprensa?

É evidente que existe uma preocupação com os recentes ataques à democracia. Contudo, o país não está dividido quanto essa questão. Estamos vendo manifestações de todos os lados, não há polarização quando se fala da votação nas urnas eletrônicas e acredito que isso seja fruto do trabalho da imprensa. Mesmo que o presidente Jair Bolsonaro (PL) tente, não há o que se fazer contra o processo eleitoral. Durante minha atuação na Câmara Municipal de São José, pude participar do processo de redemocratização do país. Hoje, com 79 anos, estou meio baleado, mas continuo na luta.

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